quarta-feira, 5 de setembro de 2012

nº 144 Uma inscrição em São Pedro de Vilas.

Na postagem número 116 deste blogue fazia um pequena reportagem da minha visita a São Pedro de Vilas, um lugar extraordinário na paroquia de Assados, tanto pela sua beleza como pelas muitas incógnitas que guardam os seus muros. Nessa postagem apresentava as fotografias duma inscrição situada na fachada, a qual fica um bocadinho dissimulada por outra mais monumental e centrada no lenço, que alem disso, está repassada em cor preta.
A inscrição pequena, por chama-la de algum modo, tinha uma leitura dificultosíssima, chegando mesmo a pensar na impossibilidade de saber que seria o que lá havia escrito. Mas para procurar um mínimo ordem lógico no meu relato, vou começar por dar a minha versão do que considero põe a que chamaremos inscrição grande.




GLORIOSA RECORDon[acion]
DE N[uestro] S[antísimo] P[adre] CLEM[ente] 9º P[ontífice] Maxº[imo]
REYNANDO CARLOS II N[uestro] S[eñor] Q[ue] D[ios] Gº[uarde] SIE[n]
D[o] AR[zo]B[is]PO DE [la] S[anta] EI[glesia] [de] S[antiago] D[on] ANDRES XIRº[on]
HIZO FABRICAR ESTA CAPILLA GONZ[alo] DE S[antiago] TORRADO
EXECUTAN[do] LA ULTIMA VOLUNTº[ad]  C[o]N Q[ue] MU
RIO EL Lº[icenciado] P[edro] DE S[antiago] TORRAD[O] S[u] HERMº[ano] Rº[everendo] DE YSORN[a]
ANO DE 1671

«Gloriosa recordación de Nuestro Santísimo Padre Clemente Noveno Pontífice Máximo, reinando Carlos II, Nuestro Señor que Dios guarde, siendo arzobispo de la Santa Iglesia de Santiago Don Andrés Girón, hizo fabricar esta capilla Gonzalo de Santiago Torrado, ejecutando la última voluntad con que murio el Licenciado Pedro de Santiago Torrado, su hermano reverendo de Isorna. Año de 1671.»

O texto gravado na fachada de São Pedro de Vilas dá muita informação do contexto histórico no que se fez a obra. Tem uma linguagem protocolária que aos não peritos nisto da epigrafia nos resulta complexa á vez que sedutora. Começa falando do Papa Clemente IX, morto em 1669, só dois anos antes da construção da capela, por isso a fórmula de início Gloriosa Recordação. Depois, nomeia-se ao rei Carlos II, último dos Habsburgos, que reinou entre 1661 e 1700 e ao arcebispo compostelano Andrés Girón, que o foi desde o 1670 até o 1681. Aparecem a continuação os nomes de Gonzalo e Pedro de Santiago Torrado, este último padre na paróquia de Isorna. Sobre estes dois irmãos e a sua implicação na construção da capela transcrevo os dados achegados por Xosé Comoxo e Xesus Santos no imprescindível A heráldica nas terras de Rianxo, Braxóns e linaxes.

«Don Pedro de Santiago Torrado, crego de Santa María de Isorna, deixou ordenado no testamento, feito o 7-4-1670 perante o escribán de Cordeiro Don Antonio Sánchez, que o seu sucesor edificase unha capela dedicada a San Pedro e a Nosa Señora de Guadalupe [...].
Cumprindo coa súa obriga o sucesor Don Gonzalo de Santiago Torrado, irmán de Don Pedro e veciño nese momento de Corrubedo, "executando la última voluntad con que murió el Licenciado Don Pedro de Santiago Torrado", púxolle mans á obra. O lugar elixido para levanta-lo edificio foron uns terreos irregulares, non moi apropiados "por causa de los ganados que bienen de los montes y corrales de los vezinos del lugar", que traballaba o caseiro do testador, chamado Alberte Costas, xusto "al salir de la congostra contigua del lugar, arriba en el alto, puesta a orillas de la del medio entre cuatro piedras que demarcan las dos lindantes al norte y la fachada de trabassia". [...]
Así se cumpriu un ano máis tarde. O encargado da obra foi o mestre canteiro e veciño de Rianxo, Gregorio de Somoza. En 1672 xa se celebrou misa nela».

A inscrição pequena, dissimulada ante a monumentalidade da grande é muito mais complicada de ler.



Fazia tempo que o meu amigo Juan Carlos Collazo Alejandre e mais eu vínhamos elucubrando sobre o possível significado duns caracteres que até semelhavam, vistos desde o adro, de estética hebréia. Obviamente sabíamos que aquele não podia ser um problema sem solução e menos para dois elementos a cada um mais teimudo e cheios desse estímulo primário chamado curiosidade intelectual. Assim que tornamos ao lugar, isso sim, esta vez providos de escada e giz -desculpem os científicos canónicos- com o firme propósito de botar o tempo necessário até resolver o significado de tais signos caligráficos. 
A surpresa, mais para o Carlos que olhava desde abaixo que para mim, usuário do giz, foi que a medida que repassávamos as letras o texto ia aparecendo clarinho, primeiro palavras soltas e depois a frase completa. Eis o resultado da nossa pintada:


que aqui la mando fundar dex
indo le por P[]ron de ella.

Na minha mais absoluta ignorância e a primeira vista, o texto pareceu-me um fragmento de outro maior. Na segunda linha, no centro da frase, há uma furado rectangular que faz com que a uma palavra lhe faltem letras. A minha interpretação do texto é a seguinte: «que aqui la mando fundar dexindo le por Patron de ella».
Qual é a razão da existência desta segunda inscrição? O nosso amigo do blogue de referência Flor na Area sugere-nos que ambas podam ser complementares, é dizer, que primeiro se encomendara a inscrição grande e depois se acordara acrescentar o texto com duas linhas mais em honor ao patrão. Eu considero que esta é a hipótese mais provável. O certo é que o estilo de escritura é totalmente diferente: a grande com letras maiúsculas e abreviaturas e a pequena com minúsculas e a texto corrido.

Quando baixei da escada e vi o epígrafe desde o adro tenho que dizer que experimentei uma grande alegria de termos resolvido uma curiosidade intelectual que já quase dava por irresolúvel. Porém, São Pedro de Vilas continua a ser um grande enigma em si mesmo. O estilo arcaizante da construção, os motivos ornamentais dentro e fora do templo com cabeças cortadas, grifões ou serpes animam a especulação. A sua romaria é um rito que pouco tem de cristiano e muito de adoração à natureza. E o seu entorno... Bom, disso melhor nem falar.

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