domingo, 16 de novembro de 2014

nº 191 Pré-catálogo de Higinio Cambeses.

Nos últimos dias, a juíza María Servini solicitava a detenção preventiva de, entre outros, José Utrera Molina e Rodolfo Martín Villa, ministros do ditador Franco. Esta solicitude é possível que não tenha percurso algum, sendo denegada com certeza pela Audiencia Nacional espanhola. Para os que levamos anos estudando as consequências da repressão franquista – no meu caso no eido da música – estas notícias servem para dar ânimos e sacar à tona uma série de nomes sinistros trasvestidos nas últimas décadas de democratas. Estes dias lembrei ao meu admirado Eduardo M. Torner, uma das pessoas mais íntegras sobre a que tenho centrado a minha atenção, considerado pela historiografia musical galega como uma espécie de assistente — ou ainda super-vilão —  do grande herói galego Bal y Gay. Torner, que era irmão do inspetor de educação e professor da normal da Corunha, o republicano Florentino Martínez Torner, foi autor duma importante obra musical sobre melodias tradicionais galegas, coletadas por mim num artigo para a revista Etno-Folk. O compositor e etnomusicólogo asturiano morreu em Londres num hospital de caridade e, como em tantos outros casos, os galegos continuamos a dever-lhe as honras que se merece. 

A juíza argentina Servini quer ver as fossas comuns e restituir a memória dos inocentes assassinados durante a ditadura, como os cento setenta e oito fuzilados em Cartagena entre o 1939 e 1945, entre os que se encontrava o rianxeiro Manuel Piñeiro Fachado, filho do diretor de banda José Benito Piñeiro Jamardo. Mas houve outros dos que quiçá nos acordamos ainda menos. Foram pessoas às que não mataram mas cercearam a sua carreira e/ou obrigaram a abandonar a sua terra para ter de começar novamente noutro lugar ou aos que simplesmente os envolveram num rodopio de terror do que já não puderam ou souberam sair. Este é o caso de Higinio Cambeses Carrera, compositor e diretor de Banda nascido em Antas da Lama em 1900 e morto em Santiago de Compostela em 1949. Recentemente, a editorial Dos Acordes publicou uma das suas obras mais célebres, A noite do Santo Cristo, rapsódia galega para banda sinfónica, com edição crítica de Luis Costa Vázquez. Segundo podemos ler em El Correo de Galicia, órgão da coletividade galega na Argentina, esta obra já estava em circulação em 1929:

«Aquella [a banda Celta Infantil de Antas] con ser una agrupación musical que maraville con su ejecución, es, sin embargo, un buen combinado, tan bueno como el mejor popular; pero no es eso lo esencial; en ella, hay una nota muy particular, y es que dicha banda ejecuta casi exclusivamente las composiciones de su director don Higinio Cambeses Carrera, un mozalbete de pequeña estatura y gordote, de figura sanchezca, con gestos[?] de "Quijote" afable de caracter; en él no se oculta nada, habla lo que siente, el cual nos hizo admirar su ya gran producción y del mérito que evidencian, entre tantas otras, obras como "Viva la legión", "El sitio de Zaragoza", "Una noche por la calle", "Ad'o [sic] eixo carballeira", "Maruxiña a mal fadada", "A noite do Santo Cristo", etc., capaces de consagrarle como meritísimo artista.» nº 1242 10/11/1929

Em 1931, Higinio Cambeses apresenta-se candidato do Partido Radical Socialista nas eleições municipais de abril de 1931, que tiveram como resultado o advento da Segunda República. Uns meses antes, em 12 de março desse mesmo ano, publica em La libertad de Ponte Vedra um formoso artigo titulado ¡La aldea despierta!.


Em 31 de julho de 1932 fazia a sua presentação a Agrupación Musical de Ordes, baixo a batuta de mestre de Antas da Lama. Esta banda esteve ativa poucos anos e já em setembro de 1933 Higinio Cambeses aparecia na prensa como regente da banda de Viveiro. Nesta vila nordestina esteve até o fatídico 18 de julho de 1936. A partir dessa data no entorno do maestro produzir-se-ão numerosas detenções. Aos poucos dias, Higinio Cambeses organizou uma Comissão de Ajuda aos Presos. 

«Sen embargo, a Comisión durou moi pouco tempo ao ser disolta por orden do comandante militar da praza, Manuel Vaamonde, que, ademais apercibiu aos seus componentes. Días despois sería detido, encausado e suspendido de emprego Hixinio Cambeses.» NUEVO CAL, Carlos A represión fascista nas terras de Viveiro in www.memoriahistoricademocratica.org

Algumas fontes dizem que esteve preso dois anos, inclusive citam a Ilha de São Simão. Eu não dei encontrado nenhum registro da sua estadia nos cárceres franquistas, a não ser essa primeira detenção em Viveiro. A dia de hoje considero que os falanxistas submeteram-no a detenções e malheiras mais que a um encarceramento continuado.
O Centro Documental de la Memoria Histórica de Salamanca custódia um suplicatório de indulto para Higinio Cambeses Carrera, Daniel Carballido Diz e Cándido Carreras Domenech. Os três foram condenados pelo tribunal da Corunha, sentença do 23 de dezembro de 1941 a pagar duzentas cinquenta pesetas por «haberse destacado como izquierdista, desempeñando cargos locales y haciendo propaganda. Daniel pagó 125 ptas de la sanción».
O indulto chegou em 1960, quarenta anos depois da morte de Cambeses. 
Entre 1943 e 1948 foi diretor da Banda de Cuntis.

«No 1948 marchou para Padrón como director da Banda Municipal, pero seguiu vindo continuamente a Cuntis, onde tiña moitos amigos. Sufría manía persecutoria. Quedara tocado debido á presión e ao medo a que fora sometido despois do alzamento militar do 36, con continuas detencións, malleiras e sancións laborais e económicas. Estando en Cuntis metíanselle cousas na cabeza, como que lle querían pegar ou matar. O certo era que lle tiña medo aos falanxistas e por iso, xa estando na banda de Padrón, cando viña a Cuntis durmía na fonda de Calveiro, pois era amigo de Baldomero Andrade, que militaba na Falanxe, e na súa casa sentíase máis seguro.» SEIXO PASTOR, Marcos A represión franquista en Cuntis. Memoria de 1936. O proceso contra Aurelio Rei e outros cuntienses. in www.aelg.org

Quando apenas levava um ano como regente da Banda de Padrão, Higinio Cambeses não aguentou mais e pôs fim a sua vida dum modo agónico. Um breve no ABC publicado em 22 de fevereiro de 1949 relatava o acontecido em Cuntis:

«En Cuntis intentó poner fin a su vida el director de la banda de música de Padrón, D. Higinio Cambeses Carrera, que sufría manía persecutoria. Para llevar a cabo su propósito se dio un corte en el cuello y otro en un brazo, y al ver que no era bastante se arrojó por una ventana de su domicilio, resultando en la caída tan sólo con la fractura del pie izquierdo. Trasladado al Hospital Provincial, fueron intervenidas sus lesiones y momentos mas tarde el herido se arrolló una sábana al cuello y se ahorcó. El suicida era un excelente compositor de música, habiendo dirigido varias bandas en Galicia.»

Em 2014 são muitas as bandas que continuam a tocar as composições de Higinio Cambeses. Em várias ocasiões, veteranos músicos de banda disseram-me que Cambeses era o melhor compositor galego de passodobles, questão esta que podendo ser considerada uma exageração, fala claramente do prestígio do maestro entre os músicos galegos. Porém, o seu nome apenas aparece nas enciclopédias e dicionários de música, não existindo um catálogo da sua obra nem edições comerciais das partituras, com exceção da já mencionada A noite no Santo Cristo. [Pode-se comprar aqui] E por isto que decidi fazer eu próprio um catálogo cônscio da dificuldade que isto acarreta e dos muitos e mais que prováveis erros ou omissões. Animaria a qualquer pessoa que tenha algum dado mais ou detetara esses erros e omissões involuntários mo comunique, para ir restituindo ao mestre de Antas da Lama o lugar que lhe pertence na nossa história.



Agradeço a Javier Jurado e Luis Costa a leitura e ampliação deste catálogo.

Catálogo Higínio Cambeses

1.      ¡Adios para siempre! [Música impresa]: célebre marcha fúnebre para banda Musical Exito: Tarragona; Pablo Ricoma Dedicado ao seu pai José. SGAE 370.096
2.      ¡Ard’o eixo carballeira! [Música impresa]: pasodobre ed. Tarragona; Pablo Ricoma Cod. SGAE 367.649
3.      ¡Honradez y garantía! [Música impresa]: pasodobre ed. Tarragona; Pablo Ricoma Cod. SGAE 430.490 
4.      A los toros Cod. SGAE 4.184.316
5.      A noite do Santo Cristo [Música impresa] ed. Dos Acordes SGAE 370.481
6.      Agarimo Banda de Música de Ordes 2004
7.      Amor de mis amores Cod. SGAE 4.199.645
8.      Angelillo Cod. SGAE 370.454
9.      Aragón Cod. SGAE 4.220.527
10.  Aragón y sus cantares SGAE 4.223.343
11.  Aromas campesinos: capricho popular. Grav. Banda de Música de Sober, 1984
12.  Arrenégoti (sic) demo Cod. SGAE 4.917.794 
13.  Arrojo y valentía. Cod. SGAE 370.593 
14.  Aturuxos: pasodobre. Cod. SGAE 370.644
15.  Bandera de mi patria Cod. SGAE 4.245.367
16.  Bienvenida Cod. SGAE 4.263.955
17.  Campanas de Oro: jota Cod. SGAE 392.560
18.  Cantares Cod. SGAE 4.293.286  
19.  Cantigas da ría Cod. SGAE 392.680
20.  Colección bailables Cod. SGAE 4.334.866
21.  Cruz de moda Cod. SGAE 4.365.997
22.  Despertar (sic) chiquillas Cod. SGAE 4.422.314   
23.  Despistado Grav. Banda Unión de Guláns 1977
24.  E si mo deches foy no muiño [E si mo diches foy no miño] [Ei si no diches foy no miño] SGAE 415.951
25.  El pájaro pinto Cod. SGAE 459.175
26.  El rey de los gitanos: pasodobre Cod. SGAE  467.539 
27.  El vals de moda Cod. SGAE 4.885.705
28.  El veterano Cod. SGAE 4.898.652
29.  En el molino Cod. SGAE 4.472.542 
30.  Entra y resala a la virgen Cod. SGAE 4.481.983
31.  Fantasia gallega Cod. SGAE 142.441
32.  Flores de la calle Cod. SGAE  423.036 
33.  Flores y claveles Cod. SGAE 423.042 
34.  Guay guay Cod. SGAE 792.541 
35.  Héroes y mártires Cod. SGAE 4.663.636
36.  Invocación Cod. SGAE 432.697
37.  La sin hueso Cod. SGAE 4.575.570
38.  La vida es un cabaret Cod. SGAE 4.896.410 e 4.897.261
39.  Los héroes de Jaca Cod. SGAE 4.542.867
40.  Los zapateros ambulantes Cod. SGAE 4.926.858
41.  Maruxiña a Madalada [Mafalada] Cod. SGAE  444.960 
42.  Miña roxeira Cod. SGAE 4.642.812
43.  Morra o conto Cod. SGAE 445.144
44.  Música Maestro Cod. SGAE 4.663.636
45.  Natividad Cod. SGAE 4.680.211
46.  Negrita Cod. SGAE 4.667.106
47.  Negrito Cod. SGAE 4.667.396
48.  Niña roxeira Cod. SGAE 4.673.119
49.  Nosa Terra Cod. SGAE 451.770
50.  Pepa Banda Unión de Guláns 1977
51.  Pepita Quintana Cod. SGAE 4.709.679
52.  Plátano verde Cod. SGAE 459.374
53.  Recordo nº 9. Grav. Banda Orquesta Municipal de la Coruña. 1977
54.  San Benitiño Cod. SGAE 4.790.794
55.  Si ma deches rio miño SGAE 4.811.085
56.  Silencioso [silencio]: Vals Cod. SGAE 6.419 Arquivo da Biblioteca digital hispánica: http://bdh.bne.es/bnesearch/detalle/bdh0000039318
57.  Solo o con leche Cod. SGAE 4.823.120 
58.  Te mareas Cod. SGAE 4.842.131
59.  Tierra gitana Cod. SGAE 4.855.478
60.  Una tarde en Zaragoza Cod. SGAE  484.938 
61.  Una vez en la Habana Cod. SGAE 4.880.706
62.  Unha noite no muíño Cod. SGAE  4.885.870
63.  Viva la legión Cod. SGAE 4.900.786
64.  Vivan os mariscos Grav. Os Montes de Lugo.
65.  Yo Ya Cod. SGAE 4.923.403
66.  Yo Yo Manía Cod. SGAE 4.924.137
67.  Zumba Loureiro Grav. La Lira Ribadavia 1995 Cod. SGAE  492.004

- Em negrito os códigos SGAE menores de seis dígitos.
- Entre  [ ] títulos que aparecem na base SGAE como alternativos.

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